The Shop Around the Corner (1940)
Realizador: Ernst Lubitsch
Com: James Stewart, Margaret Sullavan, Frank Morgan, Joseph Schildkraut, Sara Haden, Felix Bressart, William Tracy, Inez Courtney, Sarah Edwards, Edwin Maxwell, Charles Halton
Se há obras que não envelhecem, esse é indubitavelmente o caso dos filmes do realizador alemão Ernst Lubitsch, ainda hoje uma referência incontornável do cinema, 63 anos após a sua morte.
Assistir a este fime, 70 anos depois da sua estreia, é, além de um enorme prazer, constatar o quanto o cinema norte-americano é devedor do génio deste realizador, nascido em Berlim em 1892 mas radicado em Holywood desde 1922, a convite de Mary Pickford.
A comédia romântica que gerou filmes de culto nas últimas décadas é, em larga medida, amplamente devedora da tradição e do toque Lubitsch, a ponto de, por vezes, copiar pura e simplesmente as soluções encontradas em obras como este delicioso “The Shop Around the Corner”. Os encontros e desencontros amorosos de Meg Ryan e Tom Hanks, em "Sleepless in Seattle" ou "You’ve Got Mail", ambos de Nora Ephron, são simplesmente decalcados do amor platónico de Alfred Kralik e Klara Novak, neste clássico de Lubitsch, deliciosamente desenvolvido no cenário de uma Budapeste anterior à Segunda Grande Guerra, ainda amplamente marcada pela elegante tradição do império dos Habsburgos.
Mas o toque Lubitsch está longe de se esgotar nos cenários elegantes ou no romantismo dos seus personagens, é sobretudo a sua extrema habilidade para observar os seres humanos que impressiona. Lubitsch capta, com uma sensibilidade rara, a comédia humana em toda a sua extensão. E mesmo quando o drama bate à porta dos personagens, é sempre com um sorriso nos lábios que o enfrentam, transmitindo ao espectador um incontornável optimismo que revigora e dignifica.
Kralik (James Stewart) é o exemplo de um homem sério, de princípios, mas de uma extrema humanidade. Mesmo quando confrontado com a injustiça ou a traição, ele age com a rectidão que o seu sentido ético lhe impõe, incapaz de gerar ódios ou vinganças. Quando descobre que a sorte lhe foi adversa, na sua paixão platónica por correspondência, recusa-se a desistir. Enfrenta a adversidade com uma confiança inesgotável no ser humano e com a certeza de que as aparências são frequentemente ilusórias. Uma edificante fé no ser humano!
Klara Novak (Margaret Sullavan) é menos crente na bondade humana. A vida foi-lhe madrasta e a jovem caixeira aprendeu a subir por mérito próprio, fruto do seu trabalho e perseverança. Mas também ela revela esperança no seu semelhante, expressa no relacionamento platónico que mantém com Kralik. A vida quotidiana pode ser dura e os tempos difíceis, mas ao virar da esquina há um ser humano perfeito, uma alma gémea a quem se entrega de coração aberto, apenas em resultado das suas inspiradas palavras. Haverá maior prova de fé na humanidade?
A humanidade de Pirovitch (Felix Bressart), numa vertente mais cómica, é também inesgotável. Se a sua condição de assalariado e pai de família lhe inculcou um assinalável espírito de sobrevivência (o modo como foge de cada vez que o patrão pede uma opinião é uma hilariante manifestação desse doentio espírito de sobrevivência), é no entanto o mais solidário com Kralik na hora do infortúnio, o primeiro a dirigir-se ao patrão em defesa do colega injustiçado, o primeiro a ajudá-lo no momento da revelação da sua paixão a Klara.
Também Pepi Katona (William Tracy) é uma hilariante caricatura do ser humano. O pobre moço de recados desejoso de se livrar dos caprichos da exigente Sra. Matuschek, a quem a sorte bate à porta com a tentativa de suicídio de Hugo Matuschek. Ao salvar o patrão comprou a sua liberdade. Ascende à categoria de caixeiro e tem o prazer de descompor a sua ex-patroa, em frente aos colegas, de contratar um jovem paquete para o substituir e, pasme-se, de dar conselhos e críticas aos colegas! Quem não conhece pessoas assim?!
Na sua fraqueza, também Matuschek (Frank Morgan) é de uma enorme humanidade. Vingativo quando o ciúme ataca, sabe ser generoso e solidário quando a ocasião o exige. Comerciante nato, não perde uma oportunidade de negócio (é divertidíssima a cena em que regressa à loja, depois da alta hospitalar, e tenta influenciar as clientes de montra acerca dos bons preços da sua loja, fazendo-se passar por um cliente), mas também comete erros grosseiros como a compra das caixas de charutos com a música Olhos Negros (Ochi Chernie), contra a opinião do mais ponderado Kralik. Os melhores também se enganam.
Até Ferencz Vadas (Joseph Schildkraut) é um vilão quotidiano. Os seus pecados são tão comuns que podem ser encontrados todos os dias à nossa volta. É ambicioso, servil e alimentou uma relação amorosa interessada com a mulher do patrão. Dificilmente seria julgado por isso, a não ser aos olhos eticamente impolutos de Kralik e consumidos pelo ciúme de Matuschek.
Em suma, "The Shop Around The Corner" é um maravilhoso, subtil e delicioso encontro com a comédia humana pela mão única do mestre Lubitsch. É um daqueles filmes que devia ser obrigatório ver. Uma obra edificante, que nos põe de bem com a vida e nos faz pensar melhor dos nossos semelhantes.
Uma comédia de valores genialmente servida com a subtileza, perspicácia e enorme sentido de humor de Ernst Lubitsch.
Um optimismo impressionante, expresso por um alemão no exílio, no preciso momento em que Hitler ocupava a Europa central, arrastando o mundo para a Guerra.
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