Whatever Works (2009)
Realizador: Woody Allen
Com: Larry David, Evan Rachel Wood, Patricia Clarkson, Ed Begley Jr., Adam Brooks, Lyle Kanouse, Michael McKean, Henry Cavill, Jessica Hecht, Carolyn McCormick, John Gallagher Jr.
Woody Allen regressa ao seu habitat natural novaioquino, depois de um interregno de quatro filmes rodados na Europa, e regressa igualmente à temática que fez dele um dos mais admirados autores do cinema norte-americano, a comédia psicológica, depois de incursões por territórios menos habituais, como o drama e a tragédia de Match Point e sobretudo de Cassandra’s Dream.
Sosseguem pois os fãs do realizador, Woody Allen não perdeu o sentido de humor.
“Whatever Works” traz-nos de volta o incomparável espírito crítico de Allen, recheado do humor inteligente e filosófico a que nos habituou.
No papel principal está Boris Yellnikoff, um brilhante físico aposentado (que chegou a ser nomeado para o Prémio Nobel), às voltas com a sua visão negra, niilista e misantrópica da sociedade. Um papel entregue a Larry David, mas que bem poderia ter sido interpretado por Allen.
O seu mundo é abalado pela entrada em cena de Melody Celestine (Evan Rachel Wood). Uma jovem fugitiva do Mississippi que Boris, relutantemente, acolhe em sua casa.
Dois fugitivos no universo vasto, negro, incomensuravelmente violento e indiferente, nas palavras de Boris (que foram também curiosamente as palavras usadas por Lloyd (Jack Warden) no filme September, realizado por Allen em 1987, para descrever a sua visão científica de um universo terrivelmente assustador, mais aterrador do que a própria morte). Uma astronómica concatenação de circunstâncias permite que os seus caminhos se cruzem, parafraseando uma vez mais Boris, pondo a nu o indeterminismo filosófico de Allen (ou deveria dizer antes o livre-arbítrio militante de Allen).
E essa é, uma vez mais, a mensagem essencial da obra de Allen. A ideia de que o universo è algo totalmente desprovido de sentido, amoral, terrivelmente violento, de que a existência é uma sucessão de tormentos (de imediato vem à lembrança a classificação avançada por Allen em Annie Hall de que a vida se divide entre o horrível e o miserável e de que todos devemos estar gratos se tivermos a sorte de nos encontrarmos entre os miseráveis), mas que, por uma incrivelmente improvável concatenação de circunstâncias, há momentos que tornam a vida digna de ser vivida, há experiências pelas quais vale a pena viver.
Outra ideia repetente na obra de Allen, bem presente neste filme, é a de que o amor se desvanece, que tudo é transitório a começar pelas relações amorosas (love fades…, na expressão usada pela simpática velhinha interrogada por Allen na rua, em Annie Hall). E o seu corolário lógico de que, por mais compatíveis que pareçamos, por mais interesses em comum que tenhamos, por mais exigentes que queiramos ser nas escolhas que fazemos na vida e no amor, no fundo tudo se resume a sorte. Às vezes funciona.
Porquê? Whatever Works… é a resposta de Allen expressa pela personagem Boris.
Desde a ovelha preferida pelo vizinho de Melody no Mississippi até à ménage a trois da emancipada Marietta (Patricia Clarkson), desde o jogo de xadrez no parque até ao prémio Nobel da Física, vale tudo por uma pequena porção de amor, de felicidade, pela mais fugaz experiência de graça. Ou como profetiza Boris a encerrar o filme “Qualquer amor que possa dar ou receber, qualquer felicidade que consiga desviar ou prover, toda a medida temporária de graça, o que quer que funcione…” (“Whatever love you can get and give, whatever happiness you can filch or provide, every temporary measure of grace, whatever works…”).
Vá-se lá saber…