Slumdog Millionaire (2008)
Realizador: Danny Boyle e Loveleen Tandan
Com: Dev Patel, Saurabh Shukla, Anil Kapoor, Rajendranath Zutshi, Jeneva Talwar, Freida Pinto, Irrfan Khan, Azharuddin Mohammed Ismail, Ayush Mahesh Khedekar, Jira Banjara
Slumdog Millionaire é um filme revelador.
Revelador de que as coisas em Hollywood já não são o que eram (apesar de britânico o filme é co-produzido e distribuído pela Fox). De que a tradicional grande produção destinada à família média já não chega e de que o cinema, mais do que nunca, busca uma identidade universal espelhada não apenas na conquista de públicos fora de portas, mas também de ideias, de actores e de parceiros na produção.
A co-produção, princípio geralmente associado à pequenez financeira dos projectos europeus, que busca, através da partilha do risco, concorrer com o poderoso mercado norte-americano, assume-se aqui não como uma limitação mas antes como uma vantagem, pela diversidade e universalidade que acarreta.
Neste particular a opção pela Índia é claramente indiciadora da importância deste mercado (é o maior produtor e consumidor mundial de filmes) e do apetite dos grandes estúdios de Hollywood por ele, consequência de décadas de difícil penetração. Se o público indiano não se deixa levar com facilidade pela mega produção típica hollywoodesca há que fabricar um produto à sua medida, recorrendo, para tal, a co-produções com empresas locais, capazes de fornecer condições privilegiadas de trabalho e bem assim de direccionar o mesmo no sentido dos gostos do gigantesco público do subcontinente asiático.
Grande vencedor da Cerimónia dos Óscares de 2009, revela igualmente que tal estratégia, já expressa em filmes anteriores como Crash ou Babel, está perfeitamente sancionada pela Academia, o mesmo é dizer pelos profissionais do cinema, críticos incluídos.
Mas Slumdog Millionaire é também revelador de uma Índia dos bairros difíceis e dos conflitos raciais e religiosos, que poucas vezes tem chegado ao cinema. De certa forma é a Cidade de Deus e a Gomorra de Mumbai que surgem no ecrã, mostrando-nos uma faceta adivinhada, mas raras vezes vista em cinema, da sociedade indiana. Uma faceta negra da “maior democracia do mundo” que a literatura e o jornalismo já tinham revelado ao Ocidente mas à qual o cinema tem virado as costas, preferindo o exotismo da Índia histórica e monumental ou o glamour das estrelas de Bollywood.
Aqui a tradicional visão alienante da televisão, representada pelo concurso mundialmente famoso “Quem Quer Ser Milionário”, é substituída pela perspectiva mais optimista da válvula de escape. Escape para os poucos que têm a sorte de conquistar um lugar ao sol, fruto dos seus chorudos prémios, mas também para os milhões que assistem hipnotizados, através dos ecrãs colectivos, à metamorfose dos seus semelhantes. Da favela para o passeio da fama. De zero a herói pelos efeitos incontornáveis do rei dólar. A televisão como o lendário rei Midas, capaz de transformar em ouro tudo aquilo em que toca.
Poderá criticar-se a visão excessivamente miserabilista transmitida pelo filme, que não resiste a usar um acentuado dramatismo como meio de melhor cativar, sensibilizar e até horrorizar o espectador. Esta é uma visão parcial da Índia, mas não é por isso menos verdadeira. E porque razão não deveria a ficção ser parcial? A arte não visa o rigor informativo (o que quer que isso seja) mas antes a percepção individual, única, pessoal e, por isso mesmo, essencialmente parcial da realidade.
É ainda uma obra reveladora de um cinema visto com algum desdém no ocidente. A confirmação de que a Índia, com a sua poderosa indústria cinematográfica, é capaz de produzir cinema de qualidade e de carácter universal e não apenas musicais românticos destinados a consumo interno e da respectiva diáspora. De que na Índia existem grandes profissionais do cinema, actores incluídos, capazes de rivalizar com o que de melhor se produz no ocidente, a começar pelos Estados Unidos da América.
É por isso uma obra de inegável mérito e valia. Um olhar diferente e muito humano sobre um mundo quase desconhecido. Uma prova de vitalidade do cinema indiano e, também, da aposta globalizante da grande produtora norte-americana.
E já agora, para nós portugueses, é também revelador de uma belíssima actriz de ascendência lusitana, Freida Pinto, demonstrativa também do universalismo da semente nacional.
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