domingo, 14 de fevereiro de 2010

Desigualdades


Entre Les Murs (2008)

Realizador: Laurent Cantet
Com: François Bégaudeau, Agame Malembo-Emene, Angélica Sancio, Arthur Fogel, Boubacar Toure, Burak Özyilmaz, Carl Nanor, Cherif Bounaïdja Rachedi, Dalla Doucoure, Damien Gomes

Vencedor em 2008 da Palma de Ouro em Cannes e nomeado para o Óscar de melhor filme estrangeiro, “Entre Les Murs” é um projecto quase pessoal de François Bégaudeau, autor do livro homónimo que co-adaptou ao cinema e protagonizou sob a direcção de Laurent Cantet.
A obra propõe uma reflexão fortemente crítica mas surpreendentemente subtil sobre o sistema de ensino francês que, por extensão, poderá ser igualmente aplicada à maioria das sociedades do “mundo rico” e democrático.
Estarão os nossos sistemas de ensino aptos a enfrentar os problemas decorrentes da globalização e dos intensos fenómenos de migração com que as sociedades actuais se debatem?
Como pode um jovem professor de francês, preso a um programa escolar rígido e frequentemente informado de intenções uniformizadoras, enfrentar uma turma de alunos totalmente heterogénea, formada por filhos de emigrantes do Mali, da Tunísia, de Marrocos, da Argélia, da China, das Antilhas Francesas, de Portugal, da Costa do Marfim, e de outras tantas nacionalidades?
Que cidadãos nascerão deste choque cultural? Existirá uma verdadeira igualdade de oportunidades, pressuposto essencial da democracia, quando numa mesma sala convivem jovens culturalmente tão diversos, presos a programas e matérias manifestamente concebidos para sociedades uniculturais?
Será legítima a imposição de um padrão cultural dominante através do sistema de ensino? Existirá ainda (se é que alguma vez existiu) a França dos manuais escolares?
O filme não dá respostas a estas perguntas, excepto o vazio.
O vazio das salas de aula no final do ano lectivo.
O vazio das expectativas dos alunos, uns conformados, outros inconformados com as incapacidades do sistema.
Haverá sempre a selecção entre a via de ensino e a via profissional.
E quem não quiser seguir a via profissional, como pertinentemente pergunta uma aluna ao professor no final do ano lectivo? Haverá igualdade de oportunidades para esses?
O problema não é novo, outras sociedades, como a norte-americana, enfrentam-no há mais tempo e outros cineastas já o levaram ao grande ecrã de forma bastante conseguida, a começar pelo clássico de 1955, superiormente escrito e realizado por Richard Brooks, “Blackboard Jungle”.
Mas as sociedades contemporâneas são substancialmente diferentes da sociedade norte-americana dos anos 50, ainda que alguns problemas possam ser comuns.
O conflito geracional ampliado pelas questões raciais foi a principal preocupação expressa no filme de Brooks, numa crítica subtil ao McCartismo, então no auge de influência, que propunha o conservadorismo dos valores tradicionais da América reaccionária como denominador comum, mas dificilmente aceitável, de uma sociedade essencialmente diversa.
Mas será que a Europa, mergulhada num ambicioso processo de união política e económica alargada e defensora de valores declaradamente tolerantes, diria mesmo estimulantes, da diversidade, consegue fazer melhor?
Qual o denominador comum nestas sociedades, cada vez mais heterogéneas? O futebol?
Como já referi, o filme não fornece respostas. Apresenta-nos a incoerência do presente e propõe-nos uma sala vazia como ponto de partida para a construção do futuro. De um sistema mais justo e eficaz que garanta uma efectiva igualdade de oportunidades, respeitadora da diversidade cultural.
Será uma utopia?

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