sábado, 23 de janeiro de 2010

Crise de Valores


Burn After Reading (2008)

Realizador: Ethan & Joel Coen
Com: George Clooney, Frances McDormand, Brad Pitt, John Malkovich, Tilda Swinton, Richard Jenkins, Elizabeth Marvel, David Rasche, J. K. Simmons, Olek Krupa, Michael Countryman

Mesmo quando a imaginação falte em Hollywood e o público delire com a versão 3D da última sequela do remake de um filme de sucesso da década de 60, podemos sempre contar com os irmãos Coen para nos proporcionarem deliciosos momentos de ironia sobre o cinema e a sociedade norte-americana contemporâneos.
O thriller de espionagem tem um lugar de destaque na história do cinema. O fim da Segunda Guerra Mundial e o início do período a que se convencionou chamar de Guerra Fria, alimentou a imaginação de autores e público, surgindo variadíssimas obras dedicadas às vidas conturbadas de espiões do lado de cá e de lá da cortina de ferro.
Mas tudo isso passou à história. Hoje não há cortina de ferro e russos e americanos vivem numa lua-de-mel de conveniências mútuas.
Ainda haverá público para um filme de espionagem que não seja um mero pretexto para coreografar uma mão-cheia de cenas de pancadaria e violência gratuita?
Com Burn After Reading, os irmãos Coen provam-nos que sim, desde que tenhamos sido abençoados com um sentido de humor.
Osbourne Cox (John Malkovich) é um analista da CIA que abusa do álcool. É um modesto funcionário mediano sem acesso a informações importantes. Ainda assim a bebida começa a influenciar o seu trabalho e o superior responsável, o oficial Palmer (David Rasche), um nome que evoca Harry Palmer e os romances de Len Deighton, retira-o do departamento e propõe-lhe um lugar menos atractivo. Cox, despeitado, prefere bater com a porta e dedicar-se a escrever as suas memórias.
Não que tenha alguma coisa de importante a contar.
Quando informa a mulher, a pediatra Katie (Tilda Swinton), do desejo de escrever as suas memórias, ela limita-se a rir, sarcasticamente. Mas Cox está determinado a contar os seus “segredos”, apesar de confessar ao pai incapacitado, também ele um funcionário público reformado: “Trabalhar no governo não é o mesmo de quando o pai trabalhava no Departamento de Estado. As coisas agora são diferentes. Não sei, talvez seja pelo fim da Guerra Fria. Agora parece que é tudo burocracia e nenhuma missão.”
Sucede que Katie mantém um caso amoroso com Harry Pfarrer (George Clooney), um funcionário do Departamento do Tesouro, por sua vez casado com Sandy (Elizabeth Marvel), uma escritora de contos infantis. O desemprego do marido fornece-lhe o pretexto que faltava para avançar com o divórcio.
A conselho do seu advogado sem escrúpulos (J. R. Horne), resolve recolher informações sobre o marido, com vista a uma futura partilha, entre as quais uma cópia das suas memórias. O CD contendo estas informações é deixado inadvertidamente por uma funcionária do advogado (Judy Frank) no ginásio.
Começa então uma trama digna de Hitchcock.
Manolo (Raul Aranas), um modesto funcionário do ginásio, descobre o CD e mostra-o a Chad Feldheimer (Brad Pitt), um instrutor de ideias muito curtas. Este por sua vez mostra-o a outra colega, Linda Litzke (Frances McDormand), e ao responsável pelo ginásio, Ted Treffon (Richard Jenkins).
Linda andava obcecada com a ideia de efectuar uma operação estética para a qual não tinha dinheiro, pelo que resolve associar-se a Chad e chantagear Cox, para a devolução do CD.
Como este não quer pagar, o duo de chantagistas dirige-se à embaixada russa com vista à venda dos “importantes” segredos de Estado.
Entretanto Linda inicia um relacionamento com Harry, desconhecendo obviamente a sua ligação a Katie.
A CIA, alertada por um contacto na Embaixada russa, vai seguindo atentamente a teia, sem perceber muito bem o que fazer com ela, já que as informações incluídas nas memórias de Cox, nada valem.
O resultado de toda esta embrulhada é hilariante, no estilo de humor negro a que os irmãos Coen nos habituaram, e envolve mortes, comas, detectives privados, perseguições, fugas para a Venezuela e uma operação plástica paga pela CIA.
No entretanto assistimos à decadência da sociedade norte-americana contemporânea, em que valores como o amor, o casamento, o patriotismo, a ética profissional e a amizade nada valem.
Tudo se faz para financiar uma lipo-aspiração…

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