
Rashomon (1950)
Realizador: Akira Kurosawa
Com: Toshiro Mifune, Machiko Kyô, Masayuki Mori, Takashi Shimura, Minoru Chiaki, Kichijiro Ueda, Fumiko Honma, Daisuke Katô
Rashomon abriu das portas do ocidente ao cinema japonês e a Akira Kurosawa. Recebeu o Leão de Ouro do Festival de Veneza em 1951 e libertou o realizador dos tempos difíceis que se avizinhavam, pois o filme tinha sido mal recebido no Japão e a produtora rescindido o contrato com ele. Mais tarde receberia também o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1952.
No centenário do nascimento de Kurosawa que é também o 60º aniversário de Rashomon, vale a pena rever esta obra-prima do cinema que, apesar da idade, mantém todas as qualidades que despertaram o interesse do júri de Veneza em 1951.
Akira Kurosawa e Shinobu Hashimoto adaptaram dois contos do escritor nipónico Ryūnosuke Akutagawa (Rashomon e Yabu no Naka) publicados em 1922, e tranformaram-nos num argumento que surpreendeu o mundo cinematográfico dos anos 50 e que ainda hoje constitui um desafio ao espectador.
Paralelamente a cinematografia a preto e branco de Kazuo Miyagawa ficaria na história. Pelo modo fantástico como filma a floresta de Kyoto (ainda hoje a sequência do lenhador na floresta parece mágica, qual portal que nos transporta no tempo e no espaço até ao Japão medieval) fazendo um uso inovador e revolucionário da luz solar.
Na porta de Rashomon (uma da portas medievais da cidade de Kyoto) três personagens abrigam-se da chuva e debatem um crime: um monge (Minoru Chiaki), um lenhador (Takashi Shimura) e um vulgar plebeu (Kichijirô Ueda).
Um crime sobre o qual quatro testemunhas prestaram depoimento: o criminoso (Toshirô Mifune), as duas vítimas (um samurai e a sua mulher, Masayuki Mori e Machiko Kyô) e o próprio lenhador, testemunha ocular. Surpreendentemente todos apresentam versões substancialmente diferentes dos factos, a ponto de não se descobrir quem cometeu o crime.
A lógica narrativa do cinema tradicional obrigaria a uma solução. A que a obra fornecesse as peças necessárias para que o espectador construísse o puzzle da descoberta da verdade. Não foi esse o caminho seguido por Akutagawa no seu conto, que Kurosawa conservou no filme, aí residindo o seu génio.
De um vulgar thriller a obra transforma-se, por essa via, numa reflexão sobre a capacidade humana para captar e transmitir a verdade. Concluindo o filme pela negativa.
Cada depoente distorce os factos adaptando-os aos seus interesses pessoais, particularmente à defesa da honra como bem supremo. Tal inviabiliza a descoberta da verdade. Pode assim concluir-se que a verdade humana absoluta não existe, é um mito.
Mas a obra não termina em tom pessimista.
Enunciadas as várias versões do crime, ouve-se o choro de um bebé abandonado. O plebeu encarna o egoísmo humano roubando ao bebé os seus mais valiosos pertences e deixando-o ao abandono. O lenhador indignado exige-lhe explicações, ao que o plebeu contrapõe expondo a mentira da história do lenhador. Foi ele quem roubou o valioso punhal com que foi cometido o crime. O monge, apesar de abalado nos seus princípios pela mentira e egoísmo que acabara de testemunhar, apressa-se a salvar a criança. É quando o lenhador, consumido pelo remorso, se disponibiliza a adoptar a criança dizendo: “Eu tenho já seis filhos. Um a mais não vai fazer grande diferença.”
A fé do monge na humanidade é restabelecida e o homem, apesar de pérfido e mentiroso, é reabilitado aos olhos de Deus.
Afinal também é capaz de actos de pura generosidade.
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