Intolerable Cruelty (2003)
Realizador: Joel Coen
Com: George Clooney, Catherine Zeta-Jones, Geoffrey Rush, Cedric the Entertainer, Edward Herrmann, Paul Adelstein, Richard Jenkins, Billy Bob Thornton, Julia Duffy, Jonathan Hadary
Intolerable Cruelty é uma comédia aparentemente ligeira que esconde uma visão profundamente cínica do casamento e do sistema judicial norte-americano.
À visão romântica do casamento, tantas vezes veiculada por Hollywood nas comédias românticas que serviram de inspiração à presente película, os irmãos Coen, com a sua habitual ironia e humor negro, contrapõem-nos uma visão puramente mercantilista, que não deixa de constituir uma perspectiva bem real do casamento nos tempos que correm.
E será que alguma vez assim não foi?
O casamento por amor é uma invenção do romantismo já que, até então, os aspectos patrimoniais sempre constituíram o principal móbil do matrimónio nas diferentes sociedades. O casamento é historicamente um contrato, que visa, muito mais do que legitimar relações amorosas ou a descendência dele resultante, titular negócios de natureza patrimonial.
Ao retirarem aos progenitores a iniciativa contratual no que respeita ao casamento, os legisladores românticos não alteraram a natureza essencialmente patrimonial do instituto. Limitaram-se a transferir a capacidade contratual dos progenitores para os nubentes.
Quem, como eu, vive o quotidiano dos Tribunais e das disputas litigiosas, designadamente as emergentes da dissolução do vínculo conjugal, sabe que a postura cínica de Miles (George Clooney) e Marylin (Catherine Zeta-Jones) face ao casamento é tudo menos infundada.
Como diria Woody Allen, love fades. Depois resta apenas uma vontade irresistível de fazer sangue.
Os Tribunais estão cheios de ex-casais apaixonados em disputas intermináveis de natureza patrimonial. Quando o amor acaba luta-se com unhas e dentes por tudo o que estiver ao alcance. Desde a valiosa moradia de férias até ao jogo de toalhas de casa de banho. Sem exagero.
E podemos mesmo afirmar que a sociedade em que vivemos e o sistema judicial que a serve, não só permite como até incentiva estes comportamentos.
Vivemos dias de profundo materialismo, em que o acesso ao conforto e aos prazeres de uma vida burguesa se assumem como valor supremo, claramente acima de quaisquer recompensas de índole espiritual.
Quando o amor acaba há que garantir o conforto material futuro. É a compensação pelo tempo investido na relação, agora aparentemente perdido, e simultaneamente o castigo para quem dele usufruiu, imerecidamente.
Se não souber como fazê-lo, há quem prontamente se disponha a ajudar.
E esse é outro aspecto pertinente do filme. A denúncia de uma sociedade que soube construir toda uma economia à volta do fim do casamento. Desde as poderosas sociedades de advogados que ganham fortunas com os divórcios, até aos investigadores privados brilhantemente caricaturados pelo personagem Gus Petch (Cedric the Entertainer). Até o Estado, a pretexto do cumprimento das funções administrativa e judicial, não abdica do seu generoso quinhão, expresso em taxas cobradas pelos diversos serviços a quem é necessário recorrer para instruir os processos e bem assim em impostos cobrados sobre as transmissões patrimoniais decorrentes da partilha.
Parece-me assim que a visão que a sociedade contemporânea espelha do casamento consegue ser ainda mais cínica do que a expressa neste filme.
Sob a aparência de uma comédia romântica inspirada na eterna luta de sexos, imortalizada no grande ecrã por Cary Grant e Katherine Hepburn, os irmãos Coen apresentam-nos a imagem reflectida da nossa sociedade doente, cínica e materialista.
Não admira pois que até a televisão comercial se interesse por este gigantesco mercado matrimonial, através dos reality shows.
No adequado vernáculo de Gus Petch, vale tudo “To Nail His Ass”!
Or hers…
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