La Pianiste (2001)
Realizador: Michael Haneke
Com: Isabelle Huppert, Annie Girardot, Benoît Magimel, Susanne Lothar, Udo Samel, Anna Sigalevitch, Cornelia Köndgen, Thomas Weinhappel, Georg Friedrich, Philipp Heiss, William Mang
Tal como em “O Laço Branco”o austríaco Michael Haneke revela-se em “A Pianista” um cineasta com particular vocação para explorar as facetas mais negras da personalidade humana.
Erika Kohut (Isabelle Huppert) é uma pianista e professora do Conservatório de Viena, artista brilhante e reconhecida (ainda que a atenção que receba fique provavelmente aquém das suas expectativas e sobretudo, das de sua mãe), exímia intérprete de Schubert, mas com uma vida pessoal bem mais problemática do que a sua carreira artística e académica levaria a supor.
Apesar de já ter ultrapassado os quarenta anos, Erika vive com a mãe (Annie Girardot), uma mulher dominadora e possessiva, com quem mantém uma complexa relação de amor-ódio, com frequentes episódios de violência física e psicológica.
A mãe reconhece e exalta as suas qualidades artísticas, mas de forma obstinada. Incute-lhe um espírito competitivo doentio que Erika descarrega nos alunos. Apesar do seu brilhantismo e inegável amor pela música, Erika é uma professora austera, exigente muito para além do razoável, fria e por vezes mesmo vingativa relativamente aos pupilos.
Dir-se-ia que a mãe vive, através da filha, um reconhecimento social e artístico que não teve, exigindo-lhe nada menos do que a perfeição, e que a filha, obrigada a viver a vida por procuração da mãe, se ressente desse domínio consentido, manifestando de forma quase indiscriminada, o seu ódio para com a mãe e o mundo.
O ódio e a frustração doentios de Erika manifestam-se de várias maneiras. Pela violência física e verbal no trato com a mãe e os alunos. Pelos hábitos sexuais bizarros. Pelo ciúme incontrolável e vingativo. Até pela auto-mutilação ocasional.
Do pai sabemos que enlouqueceu e que está internado num hospício, recebendo Erika a notícia da sua morte, pela mãe, quase no final do filme. Fica a dúvida se a loucura de Erika é uma consequência da genética paterna ou se, opção bastante mais interessante do ponto de vista do drama psicológico apresentado no filme, a loucura de ambos resulta da mútua convivência com a personalidade terrível da mãe.
Psicologicamente Erika vive num complexo de Édipo não resolvido. A sua personalidade permanece estranhamente ligada à da mãe, numa relação de amor e ódio que atinge contornos sexuais.
Surge então Walter Klemmer (Benoît Magimel), jovem, bonito e exímio pianista.
Interessa-se por Erika, apesar da diferença de idades, e começa a manifestá-lo de modo cada vez mais ostensivo.
Esta intromissão de Walter no mundo pequeno e doentio de Erika começa por irritá-la, procurando afastá-lo de qualquer modo ao seu alcance. Mas como ele não desiste, Erika começa a dedicar-lhe um sentimento de posse, a única forma que conhece de manifestar o amor. Uma crise de ciúmes gera uma vingança terrível sobre uma aluna e serve igualmente como mensagem a Walter de que o seu sentimento é, de algum modo, correspondido.
Mas a relação revela-se impossível. Walter está apaixonado por Erika, mas esta é incapaz de amar. O amor para si é um terrível jogo de domínio, de posse e de sexualidade frustrada, tal como o que vive em casa. O seu objectivo principal parece ser o de usar Walter como o carrasco das suas frustrações, punindo-a pelas suas acções, e através dela também a sua mãe.
Na carta que lhe escreve, descrevendo minuciosamente todos os jogos sexuais que espera dele, diz “É esse o meu maior desejo. Pés e mãos atadas atrás das costas, e fechada à chave perto da minha mãe, não podendo ela alcançar-me por a porta estar fechada e assim ficar até de manhã. Não te preocupes com a minha mãe, esse problema é meu.”
Erika quer ser punida (como já era notório pelos seus recorrentes ataques de auto-mutilação) mas quer que essa punição ocorra junto à mãe, para que também ela fique consciente da agressão e igualmente impotente. Para que, através do seu sofrimento, também a mãe seja punida.
A sua sexualidade desenvolve-se num triângulo perverso no qual a mãe ocupa necessariamente um dos vértices.
Walter transformará o seu amor em desprezo e acabará por realizar o desejo de Erika, embora impondo-lhe um coito que esta manifestamente não desejava.
A reacção das duas mulheres na manhã seguinte é surpreendente. Como se nada se tivesse passado, aprumam-se e vestem-se a rigor para o concerto em que Erika irá acompanhar um aluno ao piano.
Apenas Erika esconde uma faca na mala, com propósitos desconhecidos.
A naturalidade com que a mãe reage à violação e às agressões físicas sofridas pela filha na noite anterior, quase à sua frente, denuncia que talvez também ela ache que a punição que ambas sofreram foi merecida. Que talvez a ligação profunda, doentia e sexual que a filha sente por si, seja correspondida. Que talvez aceite o papel de vértice no triângulo amoroso imposto pela filha.
No átrio do teatro Erika espera por Walter com a faca escondida na mala. Antecipa-se o drama. Este chega alegre, efusivo e acompanhado pelas colegas da sua idade, não dedicando à professora mais do que um cumprimento, quase desrespeitoso.
Erika despeitada espeta a faca no peito, regressando aos auto-castigos, e afasta-se do teatro para um fim incerto.
Um drama psicológico poderoso e incómodo.
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