sábado, 23 de janeiro de 2010

Esqueletos Escondidos


Caché (2005)

Realizador: Michael Haneke
Com: Daniel Auteuil, Juliette Binoche, Maurice Bénichou, Annie Girardot, Bernard Le Coq, Walid Afkir, Lester Makedonsky, Daniel Duval, Nathalie Richard, Denis Podalydès, Aïssa Maïga

Haneke continua a explorar o lado negro da personalidade humana e, paralelamente, das sociedades francesa e ocidental as quais, sob uma capa de aparente democracia e tolerância, mantêm latentes profundos sentimentos de ódio e de racismo.
Georges Laurent (Daniel Auteuil) é um crítico literário de sucesso com um programa na televisão pública onde fomenta o debate e o confronto de ideias. Mas sob esse aparente universalismo, Laurent esconde um segredo de ódio e intolerância.
Laurent descende de uma rica família agrária. Um casal argelino, empregados dos pais, foi assassinado durante o massacre de 17 de Outubro de 1961, em que centenas de argelinos foram mortos pela polícia comandada por Maurice Papon, prefeito de Paris e antigo membro do regime de Vichy, e os seus corpos lançados ao Sena. Deixaram uma criança órfã, Majid (Malik Nait Djoudi), ao cuidado dos pais de Georges.
Sensibilizados com o crime e preocupados com o futuro da criança os pais de Georges decidem adoptá-lo. Mas os ciúmes doentios do jovem Georges (Hugo Flamigni) levam-no a inventar doenças e instintos violentos de que a acusa Majid aos pais. Estes acabam por decidir enviá-lo para um orfanato.
Este incidente determinaria a vida das duas crianças. Georges cresce rico, rodeado dos cuidados e carinhos dos pais e destinado a uma vida de sucesso. Majid (Maurice Bénichou) cresce no orfanato, onde ensinam o ódio. É-lhe negada a educação, ficando assim destinado a uma vida de pobreza e dificuldades.
Georges e os pais esquecem o incidente, não lhe dedicando grande importância. Majid, pelo contrário, ao ver o programa de Georges na televisão, é confrontado semanalmente com a vida que poderia ter tido, mas que lhe foi negada pelo ódio deste.
Georges vive com a mulher Anne (Juliette Binoche) e o filho Pierrot (Lester Makedonsky) numa casa dos subúrbios de Paris. A família começa a receber cassetes anónimas com filmes da sua casa sob vigilância e desenhos perturbantes (mais tarde saberemos que os desenhos evocam episódios da infância de Georges e Majid). O medo apodera-se do casal Laurent.
Os vídeos seguintes mostram a casa da infância de Georges e Majid e uma rua, um corredor e uma porta desconhecidos, que Georges descobre serem da casa do argelino.
O reencontro dos dois revela um Georges sem remorsos e um Majid conformado com a sua sorte, que nega ser o autor das cassetes. Mas Georges não acredita. Continua a usar Majid como bode expiatório dos seus pecados.
Quando o filho Pierrot desaparece (mais tarde saberemos que a criança ficou em casa de um colega e não quis avisar os pais) acusa Majid de rapto, levando a polícia a sua casa e provocando a detenção deste e do seu filho (Walid Afkir).
O reencontro acaba por se revelar fatal para Majid. Consumido pela injustiça e pela falta de remorso de Georges, suicida-se à frente do “irmão”, num grito final de revolta que Georges se recusa a compreender.
Caché é um filme incómodo em que os esqueletos no armário de Georges são também os da França e da sociedade ocidental (expressos nas imagens da guerra no Médio Oriente que passam na televisão, sem que ninguém lhes ligue importância).
Paris, capital assumida da democracia e da tolerância, foi o palco do massacre de 1961 que arrumou, esquecido, nos arquivos da sua memória colectiva. O luxo da burguesia “europeia” contrasta com a pobreza e a marginalidade das comunidades emigrantes, designadamente a argelina. Estas continuam a servir de bode expiatório para todos os problemas, nomeadamente no discurso dos sectores mais reaccionários da sociedade francesa.
Mas há uma nova geração bem diferente de Majid. O ciclista negro (Diouc Koma) que quase atropela Georges à saída da esquadra de polícia responde-lhe com firmeza aos insultos. O filho de Majid não partilha do conformismo do pai. Ele enfrenta Georges no seu emprego acusando-o de ser um homem sem consciência. Enquanto o pai cresceu num orfanato, onde ensinam o ódio, mas viveu e educou o filho na tolerância, Georges cresceu com amor e riqueza, mas continua intolerante e racista. O episódio do desaparecimento de Pierrot é também revelador de que o filho do casal Laurent começa a desenvolver sentimentos de revolta.
No final vemos, com o mesmo distanciamento e frieza demonstrados por Georges e pela sociedade francesa, o dramático episódio da ida de Majid para o orfanato.
Vemos ainda as crianças que saem da escola de Pierrot, no bulício natural da juventude. Um convite à reflexão. Sobre a maldade do homem, que se manifesta mesmo em criança, e sobre a esperança que ainda poderemos manter quanto às gerações futuras.
Repetirão elas os erros do presente e do passado?

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