domingo, 17 de janeiro de 2010

As Origens do Terrorismo


Das Weisse Band (2009)

Realizador: Michale Haneke
Com: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Fion Mutert, Michael Kranz, Burghart Klaußner, Steffi Kühnert, Maria-Victoria Dragus, Leonard Proxauf, Levin Henning, Johanna Busse, Thibault Sérié

Das Weisse Band é um filme perturbador.
Uma verdadeira autópsia realizada numa pequena aldeia rural alemã do princípio do século XX, que deixa a nu o mal profundo que mina aquela sociedade.
Haneke apresenta uma comunidade doente, vivendo num quase feudalismo. Uma sociedade austera, autoritária, dominada pelo medo, pela extrema pobreza de uns a que se opõe a opulência e o poder discricionário de outros, pelo desejo de revolta de alguns contraposto ao conformismo suicida de outros e, acima de tudo, por uma profunda hipocrisia. Uma sociedade em que ninguém gosta de viver. Como refere Marie Louise (Ursina Lardi), a Baronesa, durante a sua discussão com o marido (Ulrich Tukur), “Quero ir-me embora para que as crianças não cresçam num ambiente dominado pela maldade, inveja, indiferença e brutalidade”.
Não é inocente que a história termine precisamente no início da primeira grande guerra.
Este é um retrato possível da época e não apenas da Alemanha. Na verdade, grande parte da Europa ardia com inadiável desejo de mudança, embora não sabendo muito bem para o que mudar.
A uma sociedade decrépita, moralmente decadente e cujos valores apenas consegue manter pelo autoritarismo e a repressão contrapõe-se uma geração jovem, educada nestes valores e que sofreu na pele a sua hipocrisia, que apesar de minada por um aparente conformismo, explode esporadicamente em pura violência punitiva. Uma explosão que atinge indiscriminadamente, fazendo muitas vezes pagar o justo pelo pecador. Uma violência terrorista que atinge, na aldeia, crianças inocentes e adultos nada inocentes e em Sarajevo o Arquiduque Francisco Fernando e a mulher.
O próprio Haneke afirmou numa entrevista: “eu quis retratar as origens do terrorismo, seja de natureza política ou religiosa”.
É simbólica uma cena em que o jovem Martin (Leonard Proxauf), filho do pastor protestante (Burghart Klaußner), o mais austero dos pais da aldeia, arrisca deliberadamente a vida andando pelo corrimão de uma ponte de madeira. Quando o professor (Christian Friedel) corre em seu auxílio e lhe pede explicações, este responde-lhe “Eu dei a Deus uma oportunidade para me matar. Ele não o fez, é porque está satisfeito comigo.” Sabemos mais tarde que, Martin e outros colegas da escola (que andam em bandos sinistros que lembram Children of the Damned), foram os presumíveis responsáveis pelos crimes terríveis que assolaram a aldeia.
Aos seus olhos as punições que infligiram foram justificadas e aprovadas por Deus. Tal como os bombistas suicidas.
Este mau estar social esteve na origem dos dramáticos acontecimentos da primeira metade do século XX, embora seja simplista apontá-lo com única ou mesmo principal causa.
Mas foi esta sociedade doente que buscou soluções no fascismo e no nazismo, mas também no bolchevismo, no anarco-sindicalismo, no socialismo revolucionário, no corporativismo e em vários outros ismos com que os líderes de então tentaram orientar o caudal de violência que brotava da sociedade.
O mal não acabou com a conquista de Berlim e a bombas de Hiroxima e Nagasaki. Ele existe e está bem latente na sociedade contemporânea. Explode ocasionalmente, como os vulcões adormecidos que, inesperadamente, entram em incontrolável erupção, destruindo tudo e todos à sua volta. Seja nos EUA, no Médio Oriente, nos Balcãs, na Tchetchénia, na Geórgia, no Ruanda, na Somália ou em tantos outros locais esquecidos.
Este mal que brota da sociedade não tem cura conhecida, tal como os crimes do filme, permanece insolúvel.
Uma ideia pouco reconfortante que Haneke transmite através de uma obra extremamente bela e fria. A excelente cinematografia a preto e branco, da autoria de Christian Berger (na verdade Das Weiße Band foi filmado a cores e transformado num filme a preto e branco na sala de montagem, pela magia da digitalização), muito contribui para a paisagem gélida de emoções em que se movem as personagens.
Um filme terrivelmente belo e pertinente.

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