Waltz With Bashir (2008)
Realizador: Ari Folman
Com: Ari Folman, Miki Leon, Ori Sivan, Yehezkel Lazarov, Ronny Dayag, Shmuel Frenkel, Zahava Solomon, Ron Ben-Yishai, Dror Harazi
Nos dias 16, 17 e 18 de Setembro de 1982, milícias falangistas, fiéis ao presidente libanês Bashir Gemayel, assassinado dois dias antes num ataque bombista que vitimou igualmente vinte e seis outros membros do seu partido, vingaram a morte do líder massacrando milhares de palestinianos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, sobretudo idosos, mulheres e crianças, sob o olhar complacente dos soldados israelitas que ocupavam Beirute Ocidental.
Ari Folman era um dos soldados israelitas colocados nas imediações dos campos.
Waltz With Bashir é assim um filme na primeira pessoa. Uma viagem através da memória pessoal de Folman, em busca das recordações desses dias terríveis, através de entrevistas sucessivas com camaradas que com ele estiveram no Líbano e testemunhas do conflito.
Os horrores da guerra e dos massacres são apresentados num filme de animação, terrivelmente belo, num onírismo deliberado que pretende precisamente evocar a progressiva reconstituição da memória pessoal e colectiva acerca do conflito.
Folman optou por um estilo que faz lembrar os comics norte-americanos, mas ao juntar-lhe a cor, quase sempre em tons escuros e sombrios, acentua significativamente o dramatismo da obra.
É contudo notória uma progressiva transição da paleta para cores mais claras, à medida que o filme se aproxima do fim. A mudança simboliza a progressiva reconstituição da memória do autor, culminando mesmo em filmagens reais dos cadáveres das vítimas dos massacres, empilhados nos campos, e das manifestações de pesar dos seus familiares, no final do filme.
Como se das trevas se fizesse luz perante uma verdade finalmente revelada.
Embora a obra não seja assumidamente política, é antes de mais um testemunho da experiência pessoal do autor e um manifesto pacifista, não deixa por isso de apontar responsabilidades aos comandantes israelitas e a Ariel Sharon, ao tempo Ministro da Defesa de Israel.
Apesar de as tropas israelitas não terem cometido directamente os massacres, tiveram conhecimento deles e nada fizeram para os evitar. O filme acusa mesmo Sharon de ter deliberadamente ignorado as informações que lhe foram transmitidas sobre os massacres, facto aliás concluído igualmente pela Comissão Kahan designada pelo governo israelita para investigar os crimes.
As chefias militares terão passivamente permitido que os massacres fossem praticados diante dos seus soldados sem tomarem qualquer iniciativa para os evitar.
Nesse sentido Folman chama claramente a atenção para o paradoxo que constitui o facto de os filhos das vítimas de Auschwitz terem servido de cúmplices de crimes similares.
É igualmente interessante que, no início do filme, quer o autor quer os seus camaradas de armas entrevistados, sofram todos de uma estranha amnésia que os impede de recordar os factos ocorridos durante a guerra do Líbano.
É legítimo inferir que tal amnésia, mais do evocar traumas de guerra, seja uma acusação directa ao povo israelita e à comunidade internacional, por ter permitido que Sharon, apesar de pessoalmente responsabilizado pelo envolvimento nos massacres, continuasse a integrar o executivo israelita. Na verdade apesar de se ter demitido do cargo de Ministro da Defesa em 1982, na sequência das conclusões da Comissão de investigação aos massacres, continuou no Governo como Ministro sem pasta e ocupou mesmo, entre 2001 e 2006, o cargo de Primeiro-Ministro de Israel.
A recuperação da memória colectiva é assim também um dos objectivos claros do filme.
Mais do que exorcizar fantasmas do passado, Folman pretendeu construir uma obra que mostre a irracionalidade da guerra. Um testemunho na primeira pessoa para as gerações mais novas de que a guerra nada tem de digno ou de heróico.
Apenas drama e degradação.
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